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Da pegada de carbono ao Net-Zero: o caminho das PMEs rumo à neutralidade carbónica

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A pressão crescente por sustentabilidade empresarial obriga as pequenas e médias empresas (PMEs) a estabelecerem metas climáticas baseadas na ciência. Com o Acordo de Paris como referência e a Science Based Targets initiative (SBTi) liderando os padrões globais, a sua empresa pode contribuir concretamente para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

O que são metas baseadas na ciência?

As metas baseadas na ciência são objetivos de redução de emissões de gases de efeito estufa alinhados com evidências científicas climáticas. Estas metas seguem critérios rigorosos da SBTi para garantir que são simultaneamente ambiciosas e viáveis, contribuindo efetivamente para os objetivos do Acordo de Paris.

Por que as organizações devem adotar metas climáticas?

  • Vantagem competitiva: Diferenciação no mercado através de compromissos ambientais concretos
  • Preparação regulatória: Antecipação de futuras exigências legais em Portugal e na UE
  • Redução de custos: Eficiência energética e operacional que melhora margens de lucro
  • Credibilidade: Transparência perante stakeholders, clientes e investidores
  • Acesso a financiamento: Melhores condições em linhas de crédito verde e fundos europeus

O processo SBTi para PMEs: rota simplificada

A SBTi reconhece os desafios específicos das PMEs e oferece uma rota simplificada com processo de validação mais acessível e taxas reduzidas. Para ser elegível, a sua empresa deve:

  • Ter menos de 500 funcionários
  • Não ser subsidiária de uma grande empresa
  • Operar de forma independente

Esta rota permite que as PMEs estabeleçam metas ambiciosas sem necessidade de desenvolver metodologias complexas de cálculo, reduzindo significativamente os custos e o tempo necessários.

Atualmente, existem mais de 4.200 PMEs no dashboard da SBTi que utilizam esta rota simplificada, representando quase 40% de todas as empresas com metas validadas ou compromissos ativos. Isto demonstra que empresas de menor dimensão estão a adotar ativamente este padrão global.

Passos práticos para definir metas baseadas na ciência

1. Definir o limite organizacional

O primeiro passo é determinar que operações e atividades serão incluídas nas metas. Utilize uma destas abordagens:

  • Controlo operacional: Inclui emissões de operações sob controlo direto
  • Participação acionária: Inclui emissões proporcionais à participação no capital

A TDC NET, empresa dinamarquesa de infraestrutura digital, foi a primeira empresa do mundo a receber uma meta net-zero para 2030 validada pela SBTi, conforme documentado no estudo de caso oficial da SBTi. A empresa optou pela abordagem de controlo operacional, focando nas operações onde tinha influência direta nas decisões de redução de emissões.

2. Calcular a pegada de carbono atual

Quantifique as emissões nos três âmbitos:

  • Âmbito 1: Emissões diretas (combustíveis, frota própria)
  • Âmbito 2: Emissões indiretas de energia (eletricidade, aquecimento)
  • Âmbito 3: Emissões da cadeia de valor (fornecedores, transporte, uso do produto)

Ferramentas gratuitas recomendadas:

A Colpac, PME britânica de embalagens alimentares, implementou métodos avançados de recolha de dados em parceria com consultores energéticos, desenvolvendo fatores de emissão personalizados para refletir dados do mundo real, especialmente para transportes de terceiros. Esta abordagem detalhada é documentada no artigo da The Manufacturer, demonstrando como PMEs podem alcançar precisão em relatórios de gases de efeito estufa.

3. Escolher o ano-base e horizonte temporal

  • Ano-base: Escolha um ano recente com dados completos (idealmente 2019-2023)
  • Horizonte temporal: Defina metas de curto prazo (5-10 anos) e longo prazo (2050)
Dica prática: Se a sua empresa sofreu alterações significativas devido à pandemia, considere usar a média de 2018-2019 como referência.

A TDC NET, conforme documentado no estudo de caso da SBTi, escolheu 2020 como ano-base para as suas metas net-zero, estabelecendo um horizonte temporal ambicioso para atingir net-zero nas operações até 2028 e em toda a cadeia de valor até 2030, duas décadas antes das ambições estabelecidas no Acordo de Paris.

4. Definir o nível de ambição

Para PMEs, a SBTi recomenda:

  • Metas de curto prazo: Redução de 50% nos âmbitos 1 e 2 até 2030
  • Metas de longo prazo: Net-zero até 2050, com redução de 90-95% em todos os âmbitos

A Colpac, PME do setor de embalagens, estabeleceu metas validadas pela SBTi que incluem uma redução de 42% nos âmbitos 1 e 2 até 2030, com meta final de net-zero até 2045. Estas metas foram oficialmente validadas pela SBTi em fevereiro de 2024, conforme documentado no site oficial da empresa.

5. Submeter para validação

O processo simplificado para PMEs inclui:

  1. Preencher o formulário de compromisso
  2. Pagar a taxa reduzida (atualmente €2.100, em vez dos €8.500 para grandes empresas)
  3. Submeter a carta de compromisso assinada pela gestão
  4. Receber validação em aproximadamente 20 dias úteis
Dica importante: A SBTi não exige que PMEs desenvolvam metodologias próprias de cálculo, apenas que se comprometam com as metas padrão.

A Colpac utilizou com sucesso a rota para PMEs da SBTi ao definir as suas metas net-zero, conforme detalhado no anúncio oficial da empresa. O processo resultou na validação de sua meta geral de net-zero para 2045 e meta intermédia de redução de 42% nos âmbitos 1 e 2 até 2030, demonstrando que o processo simplificado é acessível e eficaz para PMEs.

6. Implementar e comunicar

Após validação:

  • Desenvolva um plano de ação detalhado com medidas específicas
  • Implemente um sistema de monitorização contínua
  • Comunique o compromisso a stakeholders internos e externos
  • Reporte anualmente o progresso

A TDC NET, após validação das suas metas pela SBTi, implementou um roteiro de CO2 totalmente alinhado com o seu plano de negócios para 2030, incluindo trajetória de gastos e investimentos. O plano foca em eficiência energética, energia renovável e envolvimento de fornecedores, conforme detalhado no estudo de caso oficial da SBTi. A empresa também assinou um acordo de compra de energia para quatro novos parques solares na Dinamarca, que cobrirão aproximadamente 60% do seu consumo total de energia.

Pontos críticos e soluções práticas para PMEs

1. Recursos limitados

Desafio: Falta de pessoal especializado e orçamento reduzido.

Solução prática:

  • Comece com âmbitos 1 e 2, que são mais simples e diretos
  • Utilize ferramentas gratuitas como o SME Climate Hub
  • Aproveite programas de apoio como o Fundo Ambiental e incentivos do PRR

A Colpac demonstrou que mesmo as PMEs podem implementar programas ambiciosos de net-zero com recursos limitados. Conforme documentado no artigo da The Manufacturer, a empresa conseguiu superar significativamente suas metas iniciais, alcançando uma redução de 22% nas emissões de carbono no terceiro ano do seu programa net-zero, quando a previsão original era de apenas 4% de redução anual.

2. Complexidade do Âmbito 3

Desafio: Dificuldade em mapear e quantificar emissões da cadeia de valor.

Solução prática:

  • Foque inicialmente nas categorias mais relevantes (geralmente compras e transporte)
  • Utilize fatores de emissão padrão disponíveis em bases de dados públicas
  • Implemente gradualmente, comece com estimativas e melhore a precisão ao longo do tempo

A TDC NET enfrentou o desafio de gerir emissões da cadeia de valor com mais de 3.500 fornecedores em todo o mundo. Conforme documentado no estudo de caso da SBTi, a empresa iniciou um programa de envolvimento de fornecedores em 2021, avaliando e dividindo-os em dois grupos – grandes e pequenos emissores. Começaram pelos grandes emissores, incentivando-os a estabelecer as suas próprias metas baseadas na ciência, e depois avançaram para os pequenos emissores.

3. Falta de dados históricos

Desafio: Ausência de registos detalhados de consumo energético e emissões.

Solução prática:

  • Utilize o ano mais recente com dados disponíveis como ano-base
  • Recorra a faturas de energia, combustível e registos de viagens para reconstruir dados
  • Documente claramente as metodologias e pressupostos utilizados

A Colpac, em parceria com consultores energéticos da Inspired PLC, aprimorou significativamente os seus métodos de recolha de dados, implementando medições mais precisas de emissões de transporte e desenvolvendo fatores de emissão personalizados para refletir dados do mundo real. Esta abordagem está documentada no artigo da The Manufacturer, demonstrando como PMEs podem superar a falta de dados históricos com metodologias inovadoras.

4. Integração na estratégia de negócio

Desafio: Tratar a sustentabilidade como iniciativa isolada, sem integração nos processos de decisão.

Solução prática:

  • Inclua critérios climáticos nas decisões de investimento
  • Forme uma equipa transversal com representantes de diferentes departamentos
  • Alinhe incentivos de desempenho com objetivos climáticos

A TDC NET integrou completamente o seu roteiro de CO2 com o seu plano de negócios para 2030, incluindo trajetória de gastos e investimento. A empresa também foi cofundadora da European Green Digital Coalition, um consórcio de empresas de TIC que busca apoiar a transformação verde e digital, demonstrando como a sustentabilidade pode ser integrada na estratégia central do negócio.

Estratégia gradual para PMEs com recursos limitados

Se a sua empresa tem recursos extremamente limitados, considere esta abordagem faseada:

Ano 1: Fundações

  • Calcule apenas emissões de âmbitos 1 e 2
  • Estabeleça metas internas de eficiência energética
  • Implemente medidas de “vitória rápida” (iluminação LED, ajustes de temperatura)

Ano 2: Compromisso formal

  • Submeta o compromisso à SBTi
  • Desenvolva um plano de ação para 5 anos
  • Inicie a recolha de dados para o âmbito 3

Ano 3-5: Implementação completa

  • Expanda para todas as categorias relevantes do âmbito 3
  • Implemente projetos de maior escala (energia renovável, frota elétrica)
  • Integre critérios climáticos em todas as decisões de negócio

A Colpac demonstra esta abordagem gradual na prática, a empresa lançou o seu programa net-zero em 2023 e já está no terceiro ano de implementação, com metas escaláveis: âmbito 2 net-zero até 2030, âmbito 1 até 2035, e net-zero geral até 2045. Esta abordagem faseada permitiu-lhes superar significativamente as metas iniciais.

Casos de sucesso: benefícios tangíveis

Redução de custos operacionais

A Colpac, PME britânica do setor de embalagens, alcançou uma redução de 22% nas emissões de carbono no terceiro ano do seu programa net-zero, muito além da meta original de 4% anual, através de otimização de transporte e redução de energia no local (The Manufacturer).

Acesso a novos mercados

A TDC NET emitiu Sustainability Linked Bonds como parte de um refinanciamento de dívida após estabelecer as suas metas climáticas, que foram bem recebidos pelo mercado de investidores, demonstrando como as metas baseadas na ciência podem abrir novas oportunidades de financiamento.

Atração de talento

A TDC NET reporta impacto positivo na atração e retenção de funcionários após estabelecer metas climáticas ambiciosas. Com base em entrevistas com membros da gestão e alto nível de envolvimento na comunicação interna e externa, a empresa verificou que os colaboradores atuais e novos sentem orgulho das contribuições climáticas da empresa.

Checklist de implementação

  • [ ] Definir limite organizacional e abordagem
  • [ ] Calcular pegada de carbono atual (âmbitos 1, 2 e 3)
  • [ ] Escolher ano-base e horizonte temporal
  • [ ] Definir metas alinhadas com os requisitos da SBTi para PMEs
  • [ ] Submeter compromisso para validação
  • [ ] Desenvolver plano de ação detalhado
  • [ ] Implementar sistema de monitorização
  • [ ] Comunicar compromissos transparentemente
  • [ ] Rever e ajustar anualmente

Quando procurar apoio especializado

Considere contratar consultoria especializada quando:

  • As emissões do âmbito 3 representam mais de 40% do total
  • A empresa tem operações internacionais
  • Existem processos industriais complexos
  • É necessária validação SBTi formal para acesso a financiamento específico

A Colpac trabalhou com consultores de sustentabilidade da Inspired PLC para desenvolver seu programa net-zero. Esta parceria foi fundamental para a recolha minuciosa de dados, cálculos de emissões e desenvolvimento de um programa net-zero ambicioso mas alcançável, que resultou na validação oficial pela SBTi.

Perspetivas futuras: o que esperar do Net-Zero Standard V2.0

A SBTi está atualmente num processo de consulta pública para a versão 2.0 do seu Net-Zero Standard, com mudanças significativas que beneficiarão especialmente as PMEs. Esta nova versão, ainda em fase de consulta até final de 2025, introduz:

1. Categorização de empresas com requisitos diferenciados

A proposta mais relevante para PMEs é a introdução de duas categorias de empresas:

  • Categoria A: Grandes e médias empresas em geografias de maior rendimento
  • Categoria B: PMEs e empresas em geografias de menor rendimento

As PMEs na Categoria B beneficiarão de:

  • Prazos mais alargados para atingir net-zero (até 2050-2070)
  • Requisitos menos rigorosos para âmbito 3
  • Maior flexibilidade nas métricas de progresso

A SBTi já está a trabalhar com um grupo piloto de empresas para testar os novos critérios, demonstrando como a iniciativa está a adaptar os seus padrões para torná-los mais acessíveis para PMEs sem comprometer a integridade ambiental.

2. Abordagem mais flexível para o Âmbito 3

A nova versão substitui os limites fixos de cobertura do âmbito 3 por:

  • Foco nas fontes mais relevantes para cada setor
  • Possibilidade de usar métricas alternativas não baseadas apenas em emissões
  • Abordagem gradual para PMEs, permitindo expansão progressiva da cobertura

A TDC NET já implementou uma abordagem faseada para o âmbito 3, começando pelos fornecedores de maior impacto, que constituem aproximadamente 80% das suas emissões de âmbito 3. Esta abordagem alinha-se com as direções propostas no Net-Zero Standard V2.0.

3. Processo de transição gradual

A SBTi planeia:

  • Manter a versão atual (V1.2) disponível até 2027
  • Permitir que empresas já validadas continuem com os seus compromissos atuais
  • Oferecer período de adaptação para PMEs migrarem para o novo standard

Implicações para PMEs portuguesas

Se a sua empresa está a considerar estabelecer metas baseadas na ciência, pode:

  1. Avançar com o processo atual, sabendo que terá tempo para adaptar-se às novas regras
  2. Aguardar a versão final do V2.0 (prevista para 2026) se preferir maior flexibilidade
  3. Começar a preparar-se para os novos requisitos, especialmente na identificação das fontes mais relevantes do âmbito 3

Pode acompanhar o desenvolvimento da consulta pública e aceder aos documentos preliminares em sciencebasedtargets.org/consultations/cnzs-v2-initialdraft.

Conclusão: o momento é agora

Estabelecer metas climáticas baseadas na ciência deixou de ser opcional para se tornar imperativo estratégico. As PMEs que agirem proativamente criarão vantagens competitivas duradouras, enquanto se preparam para um futuro regulatório mais exigente.

A jornada rumo à neutralidade carbónica começa com o primeiro passo: medir, definir metas e agir com consistência. Mesmo com recursos limitados, a sua empresa pode contribuir significativamente para os objetivos climáticos globais, aproveitando a rota simplificada da SBTi especialmente desenhada para PMEs.

Comece hoje. A credibilidade da sua empresa e o futuro do planeta dependem de ações concretas, não apenas de intenções.


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