| | |

Âmbito 3 simplificado: como mapear e reduzir as emissões invisíveis da sua empresa

Fonte: Freepik

Quando falamos em calcular a pegada de carbono de uma empresa, o foco costuma recair sobre as emissões diretas (Âmbito 1) e o consumo de energia (Âmbito 2). Mas e quanto ao que acontece antes e depois das nossas operações? O transporte dos fornecedores? O uso do produto pelos clientes? O descarte dos resíduos? Todas essas emissões fazem parte do Âmbito 3 — e, para a maioria das empresas, representam mais de 80% das emissões totais.

Neste artigo, simplifico o que é o Âmbito 3, explico como começar e dou dicas práticas para quem quer avançar numa abordagem net-zero com seriedade.

O que são as emissões do Âmbito 3?

O Âmbito 3 inclui todas as emissões indiretas da cadeia de valor — tanto a montante (dos seus fornecedores) quanto a jusante (dos seus clientes e parceiros). De acordo com o Protocolo de Gases com Efeito de Estufa (GHG Protocol), o cálculo da pegada de carbono de uma entidade está dividido em 3 partes:

  • Âmbito 1: Emissões diretas de GEE decorrentes das operações que pertencem ou são controladas pela empresa;
  • Âmbito 2: Emissões indiretas de GEE provenientes do consumo de energia (nomeadamente de eletricidade) utilizada nas atividades da empresa;
  • Âmbito 3: Todas as restantes emissões indiretas (não incluídas no âmbito 2) que ocorrem na cadeia de valor, incluindo tanto as emissões a montante quanto a jusante.
Fonte: GHG Protocol

O Âmbito 3 é o mais desafiante de medir, mas também o mais significativo para a maioria das empresas. Exemplos comuns incluem:

  • Aquisição de bens e serviços
  • Transporte de matérias-primas e produtos
  • Viagens de negócios e deslocações de colaboradores
  • Uso e descarte dos seus produtos
  • Investimentos, franquias e ativos alugados

O GHG Protocol organiza essas emissões em 15 categorias específicas. Mas calma: nem todas são relevantes para todos os negócios, especialmente para PMEs.

Por onde começar?

A medição do Âmbito 3 pode parecer intimidadora, especialmente para pequenas empresas com poucos dados. A boa notícia? Nem tudo precisa ser medido de forma precisa logo no início. O mais importante é começar com uma abordagem estratégica e focada.

Passo 1: Mapeie a sua cadeia de valor

Liste todas as atividades e fluxos envolvidos na sua operação: de onde vêm as matérias primas, como os produtos chegam aos clientes, que tipo de transporte é usado, se há subcontratações, etc.

Dica prática: Comece com um simples diagrama de fluxo da sua cadeia de valor, identificando fornecedores principais, processos internos e canais de distribuição. Este exercício ajuda a visualizar onde podem estar as principais fontes de emissões.

Passo 2: Faça uma avaliação de materialidade

Nem todas as categorias são igualmente relevantes. Priorize aquelas que:

  • Representam grandes volumes ou impactos
  • Podem ser influenciadas por decisões da empresa
  • Estão associadas a riscos (reputacionais, regulatórios, operacionais)
  • São exigidas por stakeholders ou relatórios setoriais (ex: CDP, SBTi)

Dica prática: Foque-se inicialmente nas categorias mais comuns e significativas, como:

  1. Aquisição de bens e serviços
  2. Transporte e distribuição (upstream e downstream)
  3. Viagens de negócios
  4. Deslocações de colaboradores
  5. Utilização dos produtos vendidos (se aplicável)

Passo 3: Escolha um método de cálculo adequado à sua realidade

Existem diferentes métodos para calcular as emissões do Âmbito 3:

  • Cálculo direto (mais raro): monitorização real de processos.
  • Cálculo com fatores de emissão: estimativas baseadas em dados de atividade (km percorridos, toneladas adquiridas, etc).
  • Método baseado em despesas: útil como ponto de partida, mas com baixa precisão.

Dica prática: Para a maioria das empresas, o método baseado em fatores de emissão oferece o melhor equilíbrio entre precisão e facilidade de implementação. Procure utilizar fatores de emissão nacionais ou europeus sempre que possível, pois refletem melhor a realidade local.

Passo 4: Utilize ferramentas gratuitas disponíveis

Existem várias ferramentas gratuitas que podem ajudar as PMEs no cálculo das suas emissões de Âmbito 3:

  1. Calculadora da SME Climate Hub: Disponibiliza uma ferramenta tipo quiz que permite estimar as emissões de GEE diretas ou indiretas associadas à atividade de pequenas empresas. Disponível no site da SME Climate Hub.
  2. Calculadoras do GHG Protocol: Ferramentas internacionais, mas amplamente utilizadas em Portugal. Acesso através do site do GHG Protocol.
  3. Calculadora do Carbon Footprint: A Carbon Footprint disponibiliza ferramenta gratuita para cálculo de emissões que inclui categorias de âmbito 3. Mais informações no site do Carbon Footprint.
  4. Calculadora da MyClimate: A myClimate disponibilizar ferramente gratuita de cálculo de emissões que inclui categorias de âmbito 3. Disponível no site da MyClimate.

Passo 5: Recolha e organize os dados necessários

Para um cálculo eficaz, precisa de recolher dados específicos. Aqui estão alguns exemplos práticos:

Para viagens de negócios:

  • Registos de quilómetros percorridos por tipo de transporte
  • Número de noites em hotéis
  • Bilhetes de avião com distâncias percorridas

Para aquisição de bens e serviços:

  • Quantidade (kg, toneladas) de materiais comprados por tipo
  • Valor gasto (€) por categoria de produto/serviço
  • Informações dos fornecedores sobre a pegada de carbono dos seus produtos

Para transporte e distribuição:

  • Distâncias percorridas na entrega de produtos
  • Tipo e quantidade de combustível utilizado
  • Peso dos produtos transportados

Dica prática: Crie uma folha de cálculo simples para registar estes dados mensalmente. Mesmo que não tenha todos os dados no início, comece com o que tem disponível e melhore gradualmente a recolha.

Exemplos práticos para PMEs

Exemplo 1: Pequena empresa de serviços (consultoria)

Principais categorias de Âmbito 3:

  • Deslocações de colaboradores (casa-trabalho) ou trabalho remoto
  • Viagens de negócios
  • Aquisição de equipamentos informáticos e material de escritório
  • Serviços digitais e armazenamento em nuvem

Abordagem simplificada:

  1. Realizar um inquérito anual sobre os meios de transporte utilizados pelos colaboradores
  2. Registar todas as viagens de negócios num sistema centralizado
  3. Manter um inventário de equipamentos adquiridos
  4. Solicitar informações sobre emissões aos fornecedores de serviços digitais

Exemplo 2: Pequena indústria de produtos alimentares

Principais categorias de Âmbito 3:

  • Aquisição de matérias-primas agrícolas
  • Embalagens
  • Transporte e distribuição
  • Uso e fim de vida dos produtos

Abordagem simplificada:

  1. Focar inicialmente nas matérias-primas de maior volume ou impacto
  2. Trabalhar com fornecedores para obter dados de emissões ou utilizar fatores de emissão padrão
  3. Registar dados de transporte (distâncias e meios)
  4. Estimar emissões de fim de vida com base no tipo de embalagem

Dicas práticas adicionais para PMEs

  1. Comece pequeno: Viagens de negócios e transporte de fornecedores costumam ser boas portas de entrada por terem dados mais acessíveis.
  2. Utilize benchmarks setoriais: Quando não tiver dados específicos, utilize médias do setor como ponto de partida. Associações setoriais podem fornecer referências úteis.
  3. Priorize dados reais, mas aceite aproximações no início: Melhor uma estimativa do que ignorar o Âmbito 3. Com o tempo, refine os cálculos.
  4. Foque na melhoria contínua: Reveja e refine os cálculos anualmente, expandindo gradualmente o âmbito da análise.
  5. Colabore com fornecedores: Incentive os seus fornecedores a calcularem e partilharem as suas próprias emissões, melhorando a precisão dos seus cálculos.
  6. Documente as metodologias: Mantenha um registo claro das fontes de dados, fatores de emissão e metodologias utilizadas para garantir consistência ao longo do tempo.
  7. Integre na gestão: Utilize os resultados para identificar oportunidades de redução de emissões e integre-as no planeamento estratégico.

Por que isso importa para as PMEs portuguesas?

  • Regulamentação crescente: A legislação europeia está a evoluir rapidamente, com requisitos de reporte que afetarão direta ou indiretamente as PMEs, especialmente aquelas que são fornecedoras de grandes empresas.
  • Acesso a financiamento: Instituições financeiras estão cada vez mais a considerar critérios ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) nas suas decisões de financiamento. O mesmo se verifica com os programas de financiamento público como o PRR, Portugal 2030 e Horizonte Europa.
  • Vantagem competitiva: Clientes, parceiros e investidores valorizam cada vez mais empresas com práticas sustentáveis comprovadas.
  • Eficiência operacional: O processo de mapeamento e redução de emissões frequentemente identifica oportunidades de redução de custos e melhoria de processos.
  • Preparação para o futuro: As empresas que começam agora estarão melhor posicionadas para a transição para uma economia de baixo carbono.

Conclusão

Ignorar o Âmbito 3 é como tentar emagrecer sem olhar para a alimentação. O primeiro passo é olhar para onde estão os maiores impactos e oportunidades — mesmo que ainda não tenha todos os dados. A transparência e o compromisso com a melhoria já são sinais de liderança.

Para as PMEs, o caminho para a medição e gestão das emissões de Âmbito 3 pode começar com passos simples e graduais, utilizando as ferramentas e recursos disponíveis nacionalmente. O importante é começar e melhorar continuamente.


Considera que este conteúdo lhe foi útil?

O conteúdo deste site é gratuito, mas se lhe foi útil de alguma forma poderá contribuir para o desenvolvimento de novos conteúdos.

Clique aqui!

Pague-me um café!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.